Reflexões

Com que polaroid fotografamos o nosso trabalho?


O prazer da realização está na jornada

Renovo o prazer de escrever no “Mentes Brilhantes” após muitos meses de silêncio. Muitas vezes, por muito forte que seja o gosto da escrita, a pulsão criativa é engolida pela voragem do dia-a-dia, onde múltiplos interesses e compromissos nos absorvem de tal forma que nos privamos de fazer algumas das coisas que são verdadeiramente importantes. Sobre esse equilíbrio, essencial na nossa vida, falarei oportunamente noutro post.

Hoje o post é precisamente sobre a voragem em que me vi absorvido e o que tive a oportunidade de observar na mesma.

Todas as jornadas, por muito atribuladas que sejam, têm sempre oportunidades de contemplação que constituem momentos de aprendizagem. Se os aproveitamos ou não, cabe-nos a nós decidir…

Há mais de um ano que decidi abraçar um novo desafio profissional, que foi um misto de nova aventura e de regresso a casa. Foi muito recompensador constatar que podemos reatar laços antigos com a naturalidade de quem reencontra velhos amigos, e que podemos (re)activar hábitos de trabalho que já não estávamos certos de conseguir adoptar de novo.

Mas nem tudo foram rosas. O regresso também teve as suas pedras pelo caminho, as quais muito me ajudaram a ser hoje alguém diferente do que era há um ano atrás. As adversidades podem ser um poderoso instrumento de aprendizagem e superação (se assim os quisermos encarar, claro).

Cada um se posiciona conforme a polaroid que usa

Uma das maiores adversidades com que tive de lidar foi a forma como alguns colegas encararam a “novidade” que a minha chegada constituía. Desde pares a subordinados, tive reacções para todos os gostos, e com elas tive de aprender a conviver, procurando obter resultados o mais produtivos possível, atendendo às circunstâncias… a missão que tinha abraçado assim o exigia.

Olhando agora retrospectivamente para essa jornada, consigo identificar diferentes posicionamentos executivos, ou seja, diferentes formas de olhar para a realidade do nosso trabalho e das organizações onde o exercemos, que enformam a nossa forma de encarar a realidade e que condicionam a nossa acção face ao contexto e aos seus diferentes actores.

Na prática, a forma como interagimos no trabalho e tomamos decisões profissionais é em parte produto da “fotografia” que tiramos ao mundo que nos rodeia. Essa fotografia é mais colorida ou mais sépia? A imagem é mais definida ou com mais grão? A imagem tem uma moldura reconfortante e bem definida ou tem os contornos carcomidos pelo tempo?

Por isso a pergunta que temos de fazer é: com que polaroid fotografamos o nosso trabalho?

Essa polaroid, ou seja, a forma como olhamos para a realidade, vai afectar a forma como nos posicionamos face à execução de planos de trabalho, missões que nos são atribuídas, actividades que temos de desenvolver ou mesmo colaborações que temos de promover ou efectuar.

Os quatro posicionamentos executivos

Percebi ao longo deste ano que esse posicionamento varia, mas obedece a um padrão tendencial, que se constitui em função de dois factores:

Vejamos então quais são os quatro posicionamentos executivos que tendo a encontrar:

  1. Se tivermos um locus de controle externo, teremos tendência a externalizar os nexos causais relativos aos factos da nossa vida. Teremos uma visão fatalista da vida (o fado tão lusitano), acreditando que Deus ou qualquer outra entidade “superior” (Estado, patrão, pais, etc.) é a causa daquilo que nos acontece. Ora quando esta visão fatalista e não proactiva da vida se cruza com uma postura optimista, temos aquilo a que eu costumo chamar o Pensamento Mágico. Já no meu post “Frustralentos” tinha desenvolvido esta tipologia, que reside num posicionamento muito comum nas organizações portuguesas. Esta postura conjuga alegria no trabalho com pouco sentido de responsabilidade, justificado pela crença de que “tudo correrá bem”. Temos pois um posicionamento passivo e virado para o presente, sem grande atenção ao passado nem capacidade de projecção do futuro. Do ponto de vista da interlocução, são pares com quem temos de ter alguma cautela nos compromissos que acordamos, pois há elevada probabilidade de falharem os prazos ou os requisitos da produção combinada entre as partes. Não o fazem por má intenção nem deliberadamente, mas por serem optimistas na previsão e por não anteciparem constrangimentos na execução (ou contarem que alguém na instância superior da organização os resolverá). Com estes interlocutores teremos de ter cuidado redobrado com o controle da execução, acordando check-points regulares a ciclo curto e planos de acção intercalares para corrigir a trajectória, quando for caso disso.
  2. Já quando o locus de controle externo se cruza com uma tendência para o pessimismo, temos um posicionamento executivo a que chamo Cautela Nemoniana. Falamos de pessoas que têm tendência mais uma vez para não tomar a vida nas suas mãos, mas a desenvolver uma narrativa explicativa dos factos que assenta sempre em factores externos. Todavia, como a sua tendência é para olhar para as coisas pelo lado do “copo meio vazio”, pelo lado das perdas, pelo lado negativo e pessimista, a sua actuação tende a ser como a actuação que o pai do peixe Nemo tinha  (no famoso filme de animação da Pixar “Finding Nemo”). Ora o que caracterizava o comportamento do pai do Nemo era precisamente a aversão ao risco, que tinha como motivo subjacente o tendencial pessimismo. Não corremos riscos porque as coisas podem correr mal, temos medo do julgamento que os outros farão se não correspondermos às expectativas, temos medo do falhanço e do insucesso. Assim, no limite o melhor para evitar que algo corra mal é não fazer nada, ou ter as costas quentes do chefe ou mandar o tal mail com c/c a toda a gente! E assim ficamos atulhados de mails inúteis enviados por colaboradores ou colegas invadidos da sua cautela nemoniana, que nos põem em c/c just in casereconhecem o retrato? Pois… com estes interlocutores há que tentar encontrar formas de desenvolver a sua autonomia e capacidade, tratando de os fazer ganhar confiança e levando-os a correr pequenos riscos. Requerem imenso investimento de tempo, ou com a validação sucessiva de todos os passinhos que dão, ou com o nosso esforço de os ensinar a caminhar sozinhos. Não tenhamos todavia a ilusão de que os iremos transformar radicalmente. Neste caso, a maior limitação do seu potencial é precisamente a sua percepção de capacidade. Muito do que não chegam a viver deve-se aos seus medos e receios, a tudo o que vai dentro da sua mente, e não a factores externos, como frequentemente acham…
  3. Se tivermos um locus de controle interno, teremos tendência a estabelecer nexos de causalidade com os factos da vida que estão ligados aos nossos actos e decisões, levando-nos a reflectir sobre o que fazer para mudar o curso dos acontecimentos, como melhorar a nossa eficácia se assim o quisermos. Teremos então uma postura proactiva sobre a vida, cuja forma de se expressar vai variar conforme tendemos para o optimismo ou para o pessimismo. Começemos pelo pessimismo, e vamos encontrar o posicionamento a que chamo a Formação Espartana. Como certamente saberão, Esparta foi uma cidade que se destacou pela sua vocação militar e pela forma frugal e dedicada com que os seus soldados se preparavam para a guerra. Pois este posicionamento executivo releva este tipo de características, ou seja, um locus de controle externo, quando influenciado por uma tendência para o pessimismo, cria uma espécie de soldado, de combatente, que procura antecipar tudo o que de mau lhe possa acontecer e tenta mudar o curso aos acontecimentos, neutralizando potenciais adversários, demarcando território e tentando sabotar potenciais iniciativas dos seus concorrentes. Sendo um posicionamento tendencialmente mais empreendedor, tanto pode criar algum valor como pode destruir imenso valor (porque impede ou dificulta a colaboração dentro da organização). Perante este posicionamento há que assumir uma postura cautelosa e diplomática, tentando antecipar o que possam ser as suas razões e as razões por detrás das suas iniciativas. Há que manter o sangue frio e tentar colocar em perspectiva as suas motivações, de forma a evitar que percamos a calma e retaliemos também nós em formação espartana. O segredo com este posicionamente executivo é fazer deles nossos aliados, criando pontes e formas de colaboração que permitam ao interlocutor perceber que, de forma verdadeira e genuína, só tem a ganhar em trabalhar connosco. Quando muitas vezes nos deparamos com uma marcação de território cerrada e uma intencionalidade excessivamente desconfiada e negativa, pode haver a necessidade de escolher estabelecer uma fronteira clara (ou de não-colaboração ou de confronto) que leve ao reforço da sensatez de seguir pelo caminho da colaboração;
  4. Por fim temos o que eu chamo de Pensamento Olímpico, ou seja, um posicionamento que resulta de um forte locus de controle interno com uma tendência para o optimismo. Este é o posicionamento que eu considero mais nutritivo e mais potenciador da criação de valor, uma vez que a postura proactiva sobre a vida e o trabalho não é toldada pelo medo. Este tipo de interlocutores tende a olhar para o lado do “copo meio cheio”, para o lado positivo das pessoas e dos factos, conseguindo discernir rapidamente como tirar proveito dos factos (mesmo dos mais adversos) e contagiando as pessoas ao sru redor com a sua energia. Costumam ser óptimos a descobrir e desenvolver os talentos dos outros (mas também os seus, uma vez que não são limitados pela sua percepção de capacidade, que neste caso é alta). São tipicamente os interlocutores que não têm medo de tomar a iniciativa, de correr riscos, de se “atirarem para a piscina” e que depois são capazes de reflectir sobre como melhorar (seja qual for o outcome), pois não estão aterrorizados com o sucesso ou o falhanço. Fazem-me lembrar uma pessoa notavelmente talentosa com quem me cruzei há algum tempo e que me dizia: “… para mim o fracasso não existe, pois sou eu que decido o que faço com os acontecimentos e o que aprendo com eles!”.

… Pois bem, não o conseguiria dizer melhor 🙂

E o que fazer com isto, by the way?

Aquilo que a minha experiência me ensinou foi que podemos naturalmente conviver com os quatro posicionamentos, sendo que alguns são mais nutritivos e potencialmente facilitadores do contexto colaborativo que outros.

Comecemos pelos que assumem um pensamento mágico.Se tiverem um chefe assim vai ser vossa missão garantir todos os checks and do’s necessários para que tudo corra bem. Vão ter de ser o “Sir Humphrey” do pedaço (quem não sabe quem é o Sir Humphrey pode educar-se aqui), assegurando o bom curso dos acontecimentos sem nunca quebrar os laços de lealdade.Se forem pares ou colaboradores assegurem-se que monitoram bem os pontos de controle das actividades e sejam exigentes, pois sem isso não os desenvolvem nem salvaguardam o sucesso das vossas iniciativas.

Com os que assumem uma cautela nemoniana a abordagem tem de ser outra. Se tiverem um chefe assim, a minha primeira recomendação é que procurem outro com urgência. Com esse tipo de chefe nunca terão um contexto inspirador ou onde se possam desenvolver. mas enquanto não arranjam outro, a vossa prioridade é dar-lhe confiança. Forneçam estudos de viabilidade, business cases, boa fundamentação para decisões, benchmarks. Mas nunca sejam vagos ou proponham algo sem ter feito o TPC. Será a morte do artista. Se for um par tomem a iniciativa e levem-no atrás de vós, sempre trabalhando também a confiança. Se forem colaboradores, ensinem-lhes a dar os primeiros passos na estranha disciplina da autonomia (não será fácil, mas é possível).

Com aqueles que estão posicionados em formação espartana a táctica terá de ser distinta. Se for o vosso chefe terão de ser o campeão das suas iniciativas e ao mesmo tempo uma espécie de embaixador da boa vontade nas relações com os outros. Como este papel é um bocado cansativo e bastante limitador da vossa capacidade de brilhar por boas razões, sugiro que procurem um novo chefe com urgência, antes que a vossa reputação profissional seja “chamuscada” pelo sua fogosidade litigante. Se forem pares, marquem o território e façam deles vossos aliados. Se forem colaboradores, dêm-lhes imenso trabalho e puxem por eles com feedback positivo, celebrando os seus achievements, para combaterem o seu pessimismo crónico.

Por fim, rodeiem-se de gente com pensamento olímpico.Se tiverem a sorte de ter um chefe assim perservem-no, pois ele será uma fonte de estímulo, aprendizagem e energia positiva. Procurem também pares assim, que serão os melhores aliados organizacionais, que convosco colaborarão de forma sincera, pois não têm receio de vós. Procurem igualmente rodear-se de colaboradores com este posicionamento, pois eles serão os campeões da vossa prática virtuosa, se assumirem vocês próprios este tipo de posicionamento (o principio da reciprocidade a funcionar).

Ao longo da jornada, como o mundo não é perfeito nem arrumadinho, há que aprender a lidar com o que nos calha em sorte, de forma a que a sorte não domine o nosso destino 🙂

Deixo-vos com um fabuloso vídeo da Marylin King precisamente sobre o pensamento olímpico. Não deixem de o ver, pois é imensamente inspirador e elucidativo.

Enjoy it 🙂

 

 

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