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A Liderança e a Mentira Auto Induzida


3133347219_4c16658dd5Surge este post da leitura de um artigo brilhante escrito pelo não menos brilhante Miguel Pina e Cunha no Jornal de Negócios, sob o título “Líderes infiltrados – na realidade das suas empresas“.

Neste artigo o Miguel foca algo a que eu chamo a Mentira Auto Induzida, e que mais não é do que o risco de dissonância cognitiva que os líderes sofrem sempre que se isolam e deixam de “andar no terreno”.

A verdade é que quando assumimos funções de liderança a nossa vida muda. Radicalmente e para sempre.

E uma das facetas dessa mudança é o aumento exponencial de solicitações de todo o tipo. Desde o número infindável de reuniões para as quais somos solicitados, para o número imenso de reports de todo o género que temos de produzir, mais as solicitações de colaboradores, superiores hierárquicos, pares, clientes, etc., há para todos os gostos: é só escolher 🙂

Perante esta parafernália de “comedores de tempo”, os líderes tendem a sentir que não têm tempo para fazer coisas aparentemente básicas, como por exemplo falar com as suas pessoas, pensar no desenvolvimento da sua equipa, manter-se a par das expectativas e aspirações dos membros da sua equipa, saber como o trabalho está a correr, apoiar e dar coaching aos colaboradores, etc.

Como há tanto que fazer, é fácil deixar estas coisas para “quando houver tempo”. Pois bem, comecemos pelas más notícias: nunca mais vai haver tempo! Por isso, é melhor ir decidindo começar a fazer estas coisas já! Não tudo de uma vez. Mas um pouco todos os dias.

Porquê? Porque se um líder não fizer isto com regularidade, torna-se a ele mesmo cego e surdo à realidade, por falta de contacto com a mesma.

Por muito que achemos que somos perspicazes e observadores, há sempre imensa coisa a passar-se à nossa volta, factos relevantes para a boa condução da equipa, que serão absolutamente invisíveis para nós, e que nos passarão completamente ao lado, comprometendo a qualidade das nossas decisões sobre a equipa.

Quando damos por nós, corremos o risco de ter uma ideia da equipa que é uma pura idealização, ou seja, não o que a equipa é mas sim aquilo que eu gostaria que fosse. Esta imagem artificialmente criada pelas minhas crenças sobre a equipa e não sobre factos (porque não tive tempo de me cruzar com os mesmos factos) tende a ser uma imagem que me deixa confortável, mas nem sempre corresponde à realidade.

Quando isso acontece, estamos perante uma Mentira Auto Induzida (ou seja, estamos a enganar-nos a nós próprios).

Isto não só prejudica a qualidade das nossas decisões, como mina a nossa autoridade informal, ou seja, o respeito e o compromisso dos nossos liderados, dos membros da nossa equipa, que passam a olhar para nós como alguém que “não está nem aí”, que está desligado da realidade. E quando isso acontece, é muito difícil recuperar a credibilidade…

Como combatemos isso? De duas formas:

  1. Colocando no topo das prioridades o “contacto com as tropas”, arranjando mesmo tempo para, periodicamente, estar com as pessoas da equipa e falar com elas, para lá do convencional “tudo bem?”;
  2. Criando um clima de positividade e abertura, em que as pessoas não tenham medo de nos pedir ajuda, de nos contar as dificuldades ou os problemas que enfrentam e mesmo os erros que cometeram. Se forem os colaboradores a tomar a iniciativa de vir falar connosco, poupam-nos imenso tempo e trabalho. E por isso é tão importante ter tempo para os ouvir…

Estas duas táticas devem ser aplicadas numa base quotidiana, inclusive para combater a Distância Auto Induzida, que é uma maleita que afeta tanta gente de tantas equipas. Esta maleita consiste na crença de que “não podemos dizer tudo o que queremos ao nosso chefe, pois ele pode zangar-se connosco e isso pode ser mau para nós“.

Diz-me a experiência que esta convicção é tão profunda na cultura portuguesa que já incorpora as verdades do senso comum, sendo um dos meus trabalhos diários contrariar esta falsa verdade apriorística que tanta gente tem. Mas isso só se faz dando um exemplo irrepreensível, que liberte as pessoas do medo e da incerteza.

Porque um tipo lá por se ter tornado chefe não deixou de ser o mesmo tipo, com as forças e fraquezas que tinha antes, com as virtudes e defeitos que sempre teve, com as chatices e preocupações da vida doméstica, com filhos, dores de barriga e outras coisas da vida normal. Um chefe não é um tipo que ascendeu a uma espécie de Olimpo dos Chefes, em que passou a ter carta branca para não trabalhar, calçar umas pantufas e fumar uns charutos.

Não, na maioria dos casos passou a ter mais trabalho, mais preocupações e menos tempo. Que só são compensadas quando o exercício da liderança é bem feito, e é sentido como uma vocação e uma missão.

Porque liderar é muito mais dar do que receber. É muito mais servir os outros e não ser servido pelos outros. Assim nunca nos esqueçamos disto…

Deixo-vos com um fantástico vídeo do Stanley McChrisystal, que numa TED Talk nos explica como se lidera ouvindo e ensinando… nas forças armadas!

Enjoy it 😉

2 opiniões sobre “A Liderança e a Mentira Auto Induzida”

  1. Não podia deixar de comentar este artigo pela minha curta mas intensa experiência de liderança, pelos valores que a minha liderança se rege e principalmente por conhecer muita gente que por ingenuidade, ou por ser técnico e não líder, caí na mentira auto-induzida.

    Um líder não pode ser aquele que é apenas excelente tecnicamente ou excelente no bounding, mas sim alguém que saiba compatibilizar ambas e se possível ser óptimo em ambas.
    Mas porquê? Ele é líder já ganhou o prémio por ser bom trabalhador e agora pode ser quem quiser… Errado!
    Um líder “porque liderar é muito mais dar do que receber” tem a responsabilidade de ser um exemplo tecnicamente conseguindo ser adorado (no sentido lato) pela sua equipa e mais do que isso tem a responsabilidade de fazer crescer e desenvolver aqueles que lidera. Só se é líder se houver alguém para liderar! Se só existe o líder por reflexo de liderados, acho que faz sentido pensar neles e liderar para eles, correto?!

    Bom trabalho!
    Luís Costa

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