Recomendações, Reflexões

Distribuição forçada: o disparate estatístico


gauss-detail2Ainda a propósito do meu último post sobre meritocracia, ocorreu-me discorrer sobre o fenómeno da distribuição forçada, a propósito de um excelente post do Juan Carrión, intitulado “Las “Cartillas de Racionamiento” del Desempeño“.

Nesta excelente peça de reflexão, o Juan critica de forma brilhante essa tendência idiota para forçar os resultados da avaliação de desempenho nas organizações, obrigando que os mesmos sigam uma curva de distribuição normal.

Porque critico igualmente de forma tão violenta esta metodologia? Simples:

  1. As curvas de distribuição normal são um artifício estatístico para tratamento de dados. Na verdade, as distribuições nunca são verdadeiramente normais;
  2. Ao forçar os resultados, estamos a adulterar a realidade. Tal põe imediatamente em causa os dois princípios fundamentais da avaliação do desempenho: os princípios da expectativa e da equidade, que nos dizem que é indispensável, respectivamente, que haja uma expectativa de recompensa face às mudanças de comportamento exigidas e que haja uma percepção de justiça relativa que dê credibilidade ao exercício de avaliação;
  3. A preocupação em evitar os erros típicos de avaliação (severidade, leniência, efeito de halo, etc.) não justifica o uso de distribuições forçadas. Não só parte do princípio de que os avaliadores tendem a ser estúpidos ou desonestos (presunção algo arrogante, no mínimo…), como transforma a avaliação – que é um mero instrumento ao serviço da produtividade – num fim em si mesmo: ao querer determinar o seu purismo técnico no exercício de apuramento de resultados, acaba-se por fazer com que as pessoas percepcionem o sistema como injusto, invertendo o efeito desejado – no fim do dia, vão ter vontade de fazer cada vez menos!!!!

Quer isto dizer que os erros de avaliação são um mal inevitável? Claro que não – para isso existem mecanismos de calibragem prévia, em que um colégio de avaliadores analisa tendências e valida resultados, criando um mecanismo de segregação de controles e auto-regulação por pares.

Tem de ser complicado? Não. Tem de ser bem feito, o que implica simplicidade e transparência. Sobre a sua implementação falaremos mais tarde.

Votos de boa reflexão!

Deixo-vos ainda com um delicioso vídeo do Ken Miller, que nos leva a reflectir sobre o que andamos (ou não) a fazer com a avaliação do desempenho.

Enjoy it 😉

9 opiniões sobre “Distribuição forçada: o disparate estatístico”

  1. Começamos desde cedo (na escola) a perceber que a avaliação não nos traz mais conhecimentos ou melhor desempenho… ela apenas modela a nossa forma de agir ao que são considerados os objectivos de avaliação para cada situação. Se na escola isso representa memorizar, então eu memorizo; se na empresa isso representa vender mais então tento vender, se significa publicar mais artigos então publico. No final nada disso acrescentou grande valor real oa meu desempenho, mas trouxe-me uma avaliação superior que não vale nada só por si. Cada trabalhador é um reflexo do modelo de avaliação a que é sujeito, de tal forma que muda o comportamento em função da mudança dos parâmetros de avaliação. Portanto, tal como a única senhora que colocou o dedo no ar à questão, eu também acho que realmente a avaliação de desempenho faz de nós quem somos.

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  2. Gostaria também de perguntar ao autor do artigo qual a sua opinião sobre a utilização de regras tal como aquela utilizado por Jack Welch na GE, em que eram dispensados 10% dos seus colaboradores (suponho que aqueles com as piores avaliações).

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  3. Ana,

    Concordo consigo. Partilhei convosco o vídeo do Ken Miller porque quis alertar para o uso relevante ou irrelevante que podemos fazer da avaliação de desempenho nas nossas organizações. Se bem usado, um modelo de avaliação de desempenho pode de facto levar-nos a crescer e a evoluir profissionalmente. No meu caso, ainda hoje recordo como a avaliação de desempenho na Companhia de Seguros Império contribuiu para fazer de mim o que sou hoje (e já lá vão 10 anos!) 🙂

    Abraços,

    Ricardo

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  4. Pedro,

    Excelente pergunta! Ainda há dias falava com os meus alunos da Católica sobre o Jack Welch e os seus métodos. Apesar de estar na moda dizer bem dele, devo dizer que, no que concerne a essa prática em particular, acho que se atingiu um patamar de cretinice inteiramente novo!

    Porquê? Simples: apesar de compreender o “efeito eugénico” que se pretende atingir com este modelo de gestão, a verdade é que aquilo que se consegue é criar nas pessoas o medo e a incerteza, verdadeiros destruidores do potencial humano. Ao saberem que amanhã pode ser a vez delas serem despedidas, as pessoas limitam-se a tentar sobreviver e procuram alternativas de empregabilidade a todo o custo.

    O argumento cínico de que “quem não deve não teme” é artificial, pois é um argumento dos vencedores do momento. E o que a vida duramente nos ensina muitas vezes é que é estatisticamente improvavel estarmos sempre na mó de cima: o sucesso é efémero: sobre isso escrevi em https://mentesbrilhantes.wordpress.com/2009/01/21/talentologia-parte-i/

    Sobre a gestão “a la Welch”, a que também poderia chamar gestão “a la Real Madrid”, já tive oportunidade de escrever em https://mentesbrilhantes.wordpress.com/2009/02/05/ppe-potencial-por-explorar-ou-como-evitar-o-efeito-minsd/

    Votos de boa leitura e um abraço amigo do

    Ricardo

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  5. Concordo inteiramente contigo sobre o disparate que é forçar uma ‘distribuição normal’ dos resultados. No entanto, enquanto consultor de RH em Angola fui frequentemente forçado a fazê-lo. Porquê? Porque numa sociedade não habituada a isto da meritocracia, em que as ‘cunhas’ a amizade e os favores são muito mais importantes que o mérito, não há comité de calibragem que nos valha.

    Nestas circunstâncias – e só nestas – a distribuição forçada dos resultados é um mal menor, que não impede o favorecimento imerecido, mas contém os seus efeitos nefastos.

    Abraço

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  6. Bom dia Rui 🙂

    Obrigado pelo contributo. Concordo contigo: numa fase em que o nível de maturidade das organizações aumenta o risco de erros na avaliação, este método tende a ser uma forma considerada “eficiente” para os conter. Todavia, e ainda assim, tenho dúvidas que este mal menor não seja maior… Passo a explicar: imaginas qual é a conversa de um chefe com os seus subordinados se porventura a distribuição forçada o tiver obrigado a rever notas em baixa? Suponho que no fim do dia o odioso da história acabe por sobrar para os RH’s da organização ou para os “consultores”, essa entidade difusa e distante que tem sempre os ombros largos…

    E a pergunta que se coloca depois é: cumpriu a gestão do desempenho a sua missão, que é fazer com que as pessoas tenham mais vontade de fazer melhor? Duvido. Proponho assim (eu sou teimoso, eu sei 🙂 ) que se aposte na formação e na prevenção, mais do que na criação de um artifício burocrático e estatístico que procure resolver o mal de forma automática.

    Porque só avaliamos bem em contexto, o que implica conhecer os casos concretos. O mesmo se aplica à calibragem, claro 😉

    Abraço amigo do

    Ricardo

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